· Margareth Rago: Conversa com historiadores brasileiros
Historiador que é referencia fundamental na historiografia nacional para pensar a história social Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar da autora Margareth Rago é uma obra que discute o Brasil na Primeira República. Neste percebemos as normas disciplinares impostas pelas fábricas, pelo poder público, as casas dos trabalhadores, a saúde, a educação, a sexualidade, ou seja, a produção de cultura dos trabalhadores e a vida cotidiana nas fábricas e nos lares dos mesmos, as experiências da classe operaria brasileira no início da República, o choque de idéias entre os libertários anarquistas e o novo projeto de uma sociedade burguesa.
A escritora Margareth Rago é historiadora e professora livre-docente do Departamento de História do IFCH da Universidade de Campinas, Unicamp. É coordenadora do Grupo de Estudos Foucaultianos e da Linha de Pesquisa História, Cultura e Gênero do Programa de Pós-Graduação em História deste Departamento. Foi professora-visitante no Departamento de História do Connecticut College, nos Estados Unidos, pela Comissão Fulbright. E entre algumas obras que a autora publicou, podemos destacar: “O que é Taylorismo?”, “Do Cabaré ao Lar. A utopia da cidade disciplinar”, “Os Prazeres da Noite. “Prostituição e Códigos da Sexualidade Feminina”, Narrar o Passado, Repensar a História”, “Entre a História e a Liberdade”. Tal autora possui, então, experiência na área de Teoria da História e História do Brasil República, onde discute pós-estruturalismo, anarquismo, feminismo, gênero e subjetividade.
A obra em questão Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar, Rago dividiu o livro em quatro capítulos, intitulados: Fabrica Satânica/ Fábrica Higiênica, a colonização da mulher, a preservação da infância, a higienização do espaço urbano. O recorte espaço-temporal é o Brasil entre os anos de1889 a 1930, e como fonte da pesquisa escolheu a imprensa literária (jornais da época), e podemos destacar também a escolha por trabalhar na mesma obra com teorias diferentes, a disciplinarização a partir da escrita de Michel Foucault e o cotidiano dos trabalhadores nas fábricas a partir da escrita de Edward Palmer Thompson.
Podemos colocar que Margareth Rago ao discutir a vigilância cotidiana no trabalho, mostrou o objetivo da fábrica higiênica, que buscava impor as novas regras de civilidade, sinal de país que lutava pela modernização. Para tanto a mesma utilizou-se de meios brutais como excessiva carga horária em que os operários chegavam cedinho e só saiam ao anoitecer, durante o dia na fábrica não tinha uma alimentação de qualidade e nem um tempo suficiente para realizar as refeições, a exploração do trabalho em que homens, mulheres e crianças eram obrigadas a trabalhar além dos seus limites, o controle dos corpos em que os novos empresários vigiava constantemente a vida dos trabalhadores não apenas no trabalho, todavia fora dos muros das fábricas, tentando ditar normas, costumes e lugares em que seus funcionários deveriam se portar.
Também podemos compreender como fábrica satânica, todo esse universo de não respeito e da invasão da privacidade na vida dos operários, como se os mesmos fossem apenas objetos de manipulação, que serviam de mão-de-obra barata. Contudo, a autora chama a atenção com relação às diversas estratégias para disciplinar os trabalhadores foram fracassadas, pois os mesmo buscavam meios de driblar as normas impostas, constituindo grupos de trabalhadores para discutir o cotidiano nas fabricas e daí surgindo às resistências operarias. Assim obrigando alguns industriais a criarem meios mais eficientes para punir os que violavam o adestramento físico e moral.
Já alguns dos maiores industriais começam a criar para si uma figura paternalista tentando tirar do foco a figura de homem ruim e explorador, para encaixar a figura de um homem que queria o bem de todos os seus funcionários e da sociedade, nesse contexto podemos dizer que amenizar tais situações desagradáveis foram criadas escolas para os filhos dos trabalhadores, moradias que tinham perto a mercearia e outros pontos para que os trabalhadores não quisessem sair de seus bairros, evitando, portanto ir aos bairros mais distantes ou até freqüentar os locais mais destinados ao público rico ou de melhores condições de vida.
No referente ao papel da mulher no Brasil da Primeira República, podemos destacar segundo Rago que havia uma preocupação de manter esta no espaço do lar, para cuidar da casa, dos filhos e do marido, portanto a mulher era preparada não para uma profissão e trabalho na fábrica, mas sim o lugar que era discutido na sociedade para o sexo feminino ocupar deveria ser uma excelente dona de casa, isto implica dizer que era submissa ao sexo masculino, este deveria ser preparado para o trabalho fora do lar e também para ser o patriarca da família.
Desta forma, notamos que a autora trabalha com o simbolismo que a sociedade elabora para a mulher, a de mãe devotada que se dedica por completo a família, que não deve opinar sobre política e vida pública, daí colocamos que essa desvalorização foi imensa por parte de uma sociedade machista e preconceituosa, pois parte da hipótese de que o sexo feminino em si não deve ser nada, ou não que não deva ter espaços e direitos iguais na sociedade, de eu deve abdicar de si em prol de uma família “perfeita e completa”, e dando ao homem o lugar de líder da família que deve ser respeitado e obedecido não só pelos filhos e a mulher, vistos como incapazes de tomarem as próprias decisões, seja no ambiente do lar ou do público.
Mas nem todas as mulheres acataram todas essas decisões e ficaram presas em casa. Desta forma, Rago coloca que parte das mulheres, muitas delas anarquistas, não era tão submissa como a maioria da sociedade deseja, algumas saiam para a rua trabalhar e participam de movimentos de paralisação manifestação nas fábricas e nas ruas, entravam nos ônibus, bondes e trens desafiando e chegavam até a bater nas mulheres, que não tinham coragem de enfrentar as situações de imposição que lhes eram colocadas.
E ainda podemos destacar na escrita da autora, a questão de gênero em que a mulher ficava a margem tanto do lar quanto das que lutavam por liberdade e participação na sociedade, eram as prostitutas, para estas a preocupação das autoridades era conscientizá-las de que não podiam circular em todos os cantos e horários nas cidades, pois não era permitido freqüentar os espaços destinados às mulheres de família. Percebemos as prostitutas eram impedidas de desfrutar do direito de ir e vir na sociedade, que passavam por constrangimentos constantemente, e mais foi elaborado um discurso médico-sanitarista para as mesmas em que deveriam ser obrigadas a fazer exames mesmo contra sua vontade para verificar se tinham doenças, as mesmas deveriam apresentar um cartão contendo informações sobre sua saúde.
Na obra de Margareth Rago, ela chama atenção para um fragmento retirado do jornal Terra livre, que problematizava sobre o que era o amor livre, vejamos:
O amor livre não significa a apropriação comum da mulher, mas que dizer: a liberdade ilimitada para a mulher, como para o homem, de amar quem quiser, a liberdade de concentrar sobre uma pessoa, antes que sobre outra, todos os afetos.
Todavia, a autora ao referir-se das mulheres apresenta mais de uma imagem do ser feminino, a que fica na esfera do lar, submissa e não sabe como fazer para ser vista igual na sociedade, já outra que enfrenta as autoridades públicas e policias que é combativa, e por último as prostitutas, que não tinham direitos nem no privado e nem no público. A mulher combativa na percepção da autora é vestida pela vontade de sua conquista de transformação na sociedade, apesar de um discurso social fundamentado por médicos da época de dizer, que a mulher deveria ficar apenas no espaço privado, de dizer que era o instinto natural zelar e cuidar da casa e da família.
No referente à infância, Margareth Rago destaca que a mesma ganha um lugar central na família, sendo constantemente vigiada. Nas fábricas elas eram obrigadas a trabalhar uma jornada de trabalho em torno de dez, doze horas de trabalho, com um ritmo intenso que deixavam cansadas e maltrapilhas, as mesmas eram controladas por contramestres, homens movidos pela ambição capitalista que explorava e até batia quando as mesmas se distraiam um pouco no trabalho, e mais ainda eram obrigadas a realizar serviços difíceis para suas idades. Porém diante de tanto serem exploradas, de sofrerem castigos e surras começaram a resistir e promover vinganças contra os seus contramestres, como jogar pedras para atingir tais homens ao irem sair das fábricas.
Outro ponto que podemos destacar é o do discurso médico na época para as crianças pobres que deveriam ser vigiadas pela mãe, onde deveriam ocupar o tempo para estudar e com exercícios físicos, principalmente com ginástica, dessa forma não iriam pensar ou praticar a corrupção moral. E mais quando uma criança realizasse algo de errado deveria ser logo tomado medidas preventivas logo, porque segundo os discursos da época era a infância ideal para ser moldada e corrigir os vícios.
Portanto, o discurso a época é que deveria cuidar das crianças que eram os futuros trabalhadores do país, estes deveriam ser educados para serem pessoas obedientes e em de saúde para contribuir com a mão-de-obra logo em breve do Brasil. Assim, eram muitas vezes impedidas de brincarem e divertir, pois ou estavam sendo vigiadas pela mãe, ou se iam ao trabalho no caso dos filhos que a mãe trabalhava e levava eram obrigados a trabalhar também, daí a fabrica ser vista como um lugar prisioneiro e cansativo que humilha e castiga para as crianças que iam ao trabalho.
A disciplinarização chega aos lares dos trabalhadores, a reforma urbana foi uma preocupação tanto com a higiene quanto com a estética das cidades maiores no Brasil, e em São Paulo e Rio de Janeiro foram os lugares que começou tais reformas, baseados em discursos médicos, higienistas sociais, sanitaristas, engenheiros e arquitetos, todos esses juntos para darem ao poder público subsídio de que era necessário tomar medidas para transformar as cidades.
Tem-se conhecimento de que havia uma preocupação com a saúde dos moradores, mas não era apenas isso o fato era também a burguesia queria lugares mais modernos e com novas aparências, mais bonitas e com melhor odor. Assim novas avenidas em São Paulo e Rio de Janeiro desde final do século XIX estavam sendo abertas, e também a construção de chafarizes e outros serviços públicos, que fossem necessários para transformar tais cidades para melhorar a vida burguesa.
Portanto a questão da habitação popular e seus pretextos no Brasil foram vistos como problema dos lares dos pobres, assim o poder público tomou uma série de medidas, por meio de burocracia impessoal e técnica, pois a disciplinarização para os pobres era notada como motivo de solução dos problemas de urbanismo da época, tais como o péssimo odor e que não tinham boas condições de higiene, que deveriam ser solucionados. Por isso foram parâmetros, que já haviam sido tomados em países mais “civilizados”, a exemplo da Inglaterra e França. É interessante perceber, que tais desejos da classe burguesa eram de desaglomerar e ver os pobres longe dos espaços de sociabilidade dos ricos.
SAMUEL KIM, RODRIGO RIBEIRO E JOSÉ RAFAEL